(“mas aqui está tão confortável…”)

Os momentos de transição podem ser planejados ou podemos ser confrontados com eles de forma não intencional. De uma forma geral, nos preparamos para eventos que têm previsibilidade no nosso futuro como, por exemplo, aposentadoria, contribuindo para fundos de previdência privada ou fazendo algum tipo de investimento em longo prazo.

Também existe uma cultura de preparação técnico-acadêmica, que começa com a educação básica e vai até onde as condições socioeconômicas permitem, seja uma educação técnica, superior ou outras formas de especialização. Mas as diversas transições que enfrentamos ao longo da vida exigem mais e, no aspecto profissional, ainda muito mais.

Em 1994, Karl Albrecht, o consultor e autor de vários best-sellers, publicou um livro que foi editado no Brasil com o título “Programando o Futuro – O Trem da Linha Norte”. Nessa obra, o autor fala sobre as constantes ondas de choque que atingem o ambiente empresarial e, em consequência, o trabalho. Essas ondas de choque têm origens em várias dimensões da vida nacional e internacional, representadas por mudanças econômicas, tecnológicas e sociais, afetando as oportunidades e as ameaças às empresas e aos profissionais. Nesse mesmo livro, o autor cita uma expressão do jornalista Ron Zemke que diz que os líderes de sucesso terão que ser surfistas de ondas de choque, capazes de perceber que ondas longas estão se aproximando e em condições de equilibrar suas pranchas simbólicas na crista de cada uma delas.

Esse mesmo conceito pode ser estendido à gestão da vida profissional de cada um de nós: queremos ser surfistas das ondas que atingem nossa carreira ou vamos ficar tomando caldos e comendo areia a cada mudança do mercado?

Planejando a Mudança com Responsabilidade e Baseando-se em Fatos

Joseph Moses Juran, uma das grandes mentes do século XX, abordou intensamente a necessidade do planejamento, para evitar decisões amadoras com consequências indesejadas. Em seu livro “Juran on Quality by Design”, ele começa com duas afirmações que são desenvolvidas ao longo da obra:

  • 1ª: Nossos problemas de qualidade foram planejados dessa maneira.
  • 2ª: O planejamento da qualidade tem sido feito por amadores.

Extrapolando esse conceito para o planejamento de carreira, fica claro que nossos problemas foram por nós mesmos planejados. Nesse momento, você pode estar pensando: “mas isso é um absurdo, eu não posso prever se serei demitido ou se o cliente vai cortar gastos e afetar minha prestação de serviços.” Ainda que seja possível identificar algumas tendências, vamos assumir que muitas transições possam realmente ocorrer de forma imprevista, mas nada impede que estejamos preparados para surfar essas ondas (ou você prefere comer areia?).

O desenvolvimento da carreira esteve historicamente ligado aos conhecimentos acumulados, às experiências adquiridas e às pessoas com as quais o profissional manteve contato. Mas a carreira está ligada não só aos aspectos técnicos relacionados à formação acadêmica, de maneira que um dos aspectos mais importantes no desenvolvimento das carreiras tem relação com o comportamento. Ou seja, o desenvolvimento da carreira é diretamente ligado ao constante estudo e atualização técnica, à aquisição de novas experiências profissionais e ao desenvolvimento de comportamentos cada vez mais adequados às funções atuais e futuras. Além disso, o desenvolvimento de uma carreira deve levar em consideração o aspecto motivacional, ou seja, a felicidade e realização como ser humano, sejam quais forem os fatores motivadores que sejam importantes para cada pessoa.

A Necessidade de Trabalhar com Dados e Fatos

O maior inimigo de qualquer tomada de decisão é o “achismo”. Perdão aos puristas da língua por esse neologismo, mas essa palavra ilustra bem o que precisamos abordar. No artigo anterior dessa série, vimos que os fatores mais elementares das necessidades humanas não podem ser desprezados, mas o equilíbrio entre satisfazer essas necessidades básicas com a motivação e felicidade também deve ser parte do planejamento de carreira. Para isso, é necessária uma análise constante de fatores internos inerentes a cada pessoa e sua relação com o ambiente externo.

Para realizar uma análise com base em dados e fatos, mas também incluindo as preferências, expectativas e valores pessoais, podemos utilizar o Modelo de Avaliação 4Z© – Quatro de Zonas de Convergência de Análise de Carreira e Vida.

O modelo de avaliação 4Z © é uma estrutura de análise que permite organizar os dados, evidências e preferências, de forma que decisões possam ser planejadas, permitindo que o profissional seja um surfista de ondas de choque, e não apenas um expectador passivo das mudanças que o atingem. Esse modelo é baseado em quatro quadrantes de análise que nos levam a entender e a avaliar as condições atuais, as projeções e as defasagens entre a situação atual e as demandas do mercado.

A análise de cada um dos quatro quadrantes deverá ser feita pelo profissional com total independência e sinceridade. Por exemplo, as análises dos quadrantes do Autoconhecimento e da Autoavaliação das Competências exigem uma postura de autoanálise profunda, sem nenhum tipo de verniz por parte de quem está mergulhando nesse modelo. Já as análises dos quadrantes relativos à ocupação atual e condições do mercado vão exigir a busca de informações de mercado, para basear qualquer decisão futura em dados, fatos e evidências.

Autoconhecimento

  • Quais são os aspectos que mais lhe agradam e motivam na atividade atual?
  • Quais são os aspectos que mais lhe desagradam e desmotivam na atividade atual?
  • Qual é a sua âncora predominante de motivação?
  • Qual é o seu “momento” na hierarquia das necessidades humanas?

Autoavaliação das competências técnicas e comportamentais

  • Quais são os conhecimentos técnicos adquiridos?
  • Qual é a experiência em transformar os conhecimentos técnicos em resultados
    através das habilidades?
  • Quais são as competências comportamentais adquiridas como, por exemplo,
    liderança, capacidade de trabalhar em equipe e comunicação?
  • Quais são as competências técnicas ou comportamentais ainda não adquiridas que
    já estão sendo necessárias no momento profissional atual?

Avaliação das condições presentes e riscos da ocupação atual.

  • É possível estimar o risco (alto, médio ou baixo) de uma situação de desemprego ou
    inatividade, em caso de profissionais liberais, ou falência, em caso de
    empreendedores?
  • Qual é a perspectiva de carreira ou desenvolvimento?

Avaliação das condições atuais e futuras do ambiente de trabalho.

  • Quais são os conhecimentos técnicos que o mercado procura? Quais são as
    tendências para o futuro?
  • Que tipo de experiência profissional é desejada pelo mercado hoje? Quais são as
    tendências para o futuro?
  • Quais são as competências comportamentais que o mercado está procurando
    atualmente? Quais são as tendências para o futuro?

Planejar É Preciso

Como qualquer modelo de planejamento estratégico, o modelo de avaliação 4Z © não é bola de cristal e serve como uma estrutura de análise e suporte à tomada de decisões. A interseção dos quadrantes nesse modelo mostra qual é a predominância em termos de competências instaladas e preferências de vida em relação às projeções e expectativas de futuro. Cada uma das quatro zonas de interseção vai apontar questões relevantes em relação à situação atual, como o grau de satisfação com a condição presente e o grau de risco em seguir nessa situação. Essa análise aponta, ainda, quais seriam os possíveis rumos de mudança e as defasagens em relação às competências exigidas para condições futuras.

Os planos de ação decorrentes da avaliação 4Z © vão indicar o que precisa ser eliminado, o que precisa ser capitalizado e quais competências precisam ser desenvolvidas. Retomando o pensamento de Juran, tenha em mente que todos os seus problemas com carreira foram por você planejados. É possível que a falta de um planejamento adequado não tenha permitido que as ações certas fossem tomadas na hora certa, mas isso não significa que seja uma situação definitiva. Com a crescente expectativa de vida e aumento na condição geral de saúde, a longevidade vai naturalmente abrir janelas de oportunidade.

As mudanças nos sistemas de previdência pública e privada, as novas tecnologias, a retração e a expansão do mercado de trabalho para diferentes competências vão, de forma inabalável, causar ao mesmo tempo obsolescência de conhecimentos e oportunidade de experimentar. Uma pessoa na faixa dos 35 anos de idade ainda pode olhar para frente e enxergar mais 30 ou 40 anos de atividades produtivas e de satisfação com essas atividades. O desenvolvimento das competências técnicas e comportamentais deve acompanhar esse novo horizonte, proporcionando evolução e variedade que acompanhem as necessidades materiais e mantenham a pessoa motivada e feliz.

AUTOR: LUIZ FERNANDO ALMEIDA.
Referências:

  • ALBRECHT, Karl – Programando o Futuro – O Trem da Linha Norte – 1995 – São Paulo
    Makron Books.
  • ALMEIDA, Luiz F. – Reconhecimento e Recompensa – Rio de Janeiro, Qualitymark, 2008.
  • EVANS, Vaughan – Ferramentas estratégicas – São Paulo – Elsevier – 2013
  • JURAN, J. M. – Juran on Quality by Design: The New Steps for Planning Quality Into Goods
    and Services – 1992 – New York – Simon and Schuster.
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